19/02/14

Textos lembrando o Rogério Carrola


1.
Queria fazer
como sempre fizeste comigo
estender-te a mão
partilhar tristezas
alegrias
e bebedeiras de luz


2. (22.01.14)
Apagar-te da memória é impossivel
Mas esta doi muito
quando o inverno do tempo
se atravessa no caminho
colocando pedras sobre pedras
para impedir o abraço
as mãos fraternas sempre estendidas


Antes da minha última viagem
quero erguer contigo uma taça de tinto
de medronho ou de absinto
junto aquela lingua de sal e fogo
entre Douro e Atlântico


Até logo e até sempre

no Cabedelo.

18/02/14

ATÉ LOGO, EM DILI


Para Xanana Gusmão

Não quero só o sol

Quero ver as crianças soletrando sonhos
Inventando um pas intenso e novo

Não quero só o sol

Quero ouvir as mulheres do meu povo
Cantando aos filhos meigas cantigas de embalar

Não quero só o sol

Quero aprender com os antigos
Como se tecem lendas e contos

Não quero só o sol

Quero também a lua cheia de prendas
Para todos os meninos do Porto até Dili

Não quero grande coisa para mim
Mas quero muito e tudo para Timor

Quero o sol quero a lua quero as estrelas
Quero a paz e o amor inundando e invadindo
As praias de Timor enfim livre

Até logo em Dili.



António Barbosa Topa


O Xanana Gusmão recebeu este poema quando estava em residência vigiada na Indonésia, o poema chegou via uma amiga comum. 
Ele teve a gentileza de me enviar um postalinho, acusando recepção.  
A. B. T. 



15/02/14

Os seios da Miquelina


Morangos 
que à minha boca 
apetecem 
nela saltam
e a adoçam


Morangos que
nas minhas mãos 
latejam 
saltam e
depois adormecem


Morangos
fonte da minha sede 
ânforas onde bebo 
o mel e o vinho 
com que alimento o fogo 
incendiando o mar


Morangos 
cujo sumo bebo 
insaciável 
até à lia


(poema que subrepticiamente o escriba publica sem consentimento do autor)

12/02/14

Comandante de Sonhos



Em memória do Capitão Salgueiro Maia

Na madrugada qua abriu as portas do sonho
sabias melhor que ninguém o peso do silêncio
mas foste em frente decidido a calar para sempre
as vozes agoirentas dos abutres que nos sugavam

Na madrugada que nos abriu as portas do sonho
gostaria de ter estado a teu lado para saborear
o certeiro silêncio que calou chacais e cães
e fez com que um povo até aí mudo cantasse livre

Na madrugada que nos abriu as portas do sonho
que lendas foste tecendo de Santarém até Lisboa
para que um povo ousasse então cantar
desafiando senhores mitos e medos antigos

Na madrugada que nos abriu as portas do sonho
quem pensou em ti e nos sonhos que nos deste
quem no regresso livre pensou no homem da festa

Capitão de sonhos e de silêncios de azul e bruma
não é nada apenas uma brisa forte intensa e densa
um vento puro que arrasa trindades e carmos

Até logo comandante continuamos a teu lado



António Barbosa Topa





Postal 02







11/02/14

Deitar contas à vida (tentativas de poemas)

(Para o Júlio Henriques)


Se tiver tempo
arrumo os seixos
que apanhei na praia
e escrever-te-ei uma carta
contando os segredos das marés


Se tiver tempo
apanho um navio até Portalegre
para da proa acenar ao domador de cavalos
ao Julio perdido entre muitas palavras e letras
mas sempre atento e derreado com a dor alheia
que sempre assumiu como sua

(07.08.2013)


Postal 01









10/02/14

TESTAMENTO DITADO AO OUVIDO

Pela Teresa, minha mãe, e para ela


Quando o relógio do tempo
Marcar a hora da viagem
Rumo à profunda boca do olvido
Quero ir bonita
Como se fosse de passeio
Até à Foz ou à Afurada
Assistir a uma chuva de estrelas


Da Ponte da Arrábida
Com lágrimas de sal e fogo
Direi até logo à festa de São Pedro
Soprando na mão em concha
um último beijo ao Cabedelo

O corpo que vêem partir
É um concentrado de lágrimas
De lutas de raivas e de sonhos
Viveu quanto o tempo aceitou

Em vida deixou raízes
E na viagem mais sonhos semeará


Até logo meus pedaços de mim


António Barbosa Topa
Paris, 28.03.2003