24/07/14

DEVAGAR, NAS ASAS DO VENTO


Para o Gonçalo, com muito carinho

É tempo de nao ter pressa

Olha como é calmo o Douro

e velozes as sardinhas e o savel

Olha como a lua se deita no Cabedelo

e o sol acorda no Atlântico

A lua quase tropeça

o sol arranca aos solavancos

Do alto da Ponte da Arrabida

olha bem para a Afurada

Ja reparaste como sao calmos os marinheiros

e velozes as gaivotas

apesar do nevoeiro

Percorre as margens do Douro

e veras que nao ha

nem nunca houve

muros que o detenham

quando se zanga

a nao ser o vento

ou o sonho

Nao estugues o passo

mas vai depressa com o vento

O vento é amigo

o vento protege

e nas asas do vento

chegaras a tempo

a uma enseada amena

Chegaras à terra da alegria

E quando ai chegares

sentiras de novo o bafo do vento

a ternura das aguas do Douro

o brilho das escamas do savel

a tez burilada dos pescadores

e de novo perguntaras onde sera o teu lugar

naquela lingua de areia e fogo

De joelhos frente ao Atlântico

faras uma prece ao vento

exclamando

vê como cheira a resina

vê como é imensa a terra da alegria

O Porto e o Brasil

aqui tao perto


Antonio Barbosa Topa

Paris, 23 de Julho de 2014

08/07/14

Ultima viagem rumo à terra da Alegria



Para o Rogério Carrola, derradeiro aceno



Sem me avisares
foste assim
de repente
para Itacaré

E agora
Rogério o que faço sem ti

Como fazer
sem o copito de "Côtes du Rhône"
sem as nossas bebedeiras de luz

Hoje
lunes de plomo
sem conhecer norte
nem sul
convidei a Margaridao o Delfim
o Romeu
(o Silvio ja tinha partido)
para uma almoçarada
em tua honra
em Pequim
naquele restaurante
quase em frente ao Palacio do Povo

Fardado a rigor
la veio um enviado 
do Comité Central
perfilado 
para tentar conhecer os nossos sonhos

Encomendei uma de Monte Velho

Rodopiou
deu três passos atras
e la foi tratar da encomenda

Nao sei se tomou conta do recado
ou se tropeçou nalguma garrafa
porque
entretanto desci na estaçao de metro Brochant
encomendei "un ballon de Côtes du Rhône"
no café que faz esquina com a rue Sauffroy
enquanto fui telefonar ao Julio Henriques
desta vez anunciando a minha morte.




Paris, 7 de Julho de 2014


11/04/14

XV


Sentado no cais da Ribeira 
fiquei à tua espera 
contabilizando sonos sonhos 
navios neblinas e delírios

Quando cansado de perscrutar
a linha do horizonte
acordei estremunhado
lá vi a tua velha bicicleta de fogo
mas tu não vinhas pedalando nela

Deitado na espuma das palavras 
adormeci esperando a maré viva 
e o regresso do teu cheiro a canela

Foram longos os dias e as noites 
até que à costa desse a tua bicicleta 
que trazia o cheiro a canela e um recado

«Numa terra intensamente branca
encontrei peixes de mil cores
tremoços azuis cerejas cor de nácar
e pérolas do tamanho do sol
Um velho sábio sem dentes soletrava sonhos. 
Fico aqui. Dorme em paz. Até logo.»   

05/04/14

IX





Poemas de Boas Vindas - Para os meus netos


POEMA DE BOAS VINDAS

Para a Myríam



Sê bem vinda a este mar em tormenta
Que o Lince te guíe o passo
E a águia andina o fulgor do olhar

Conhecerás o amor e o ódio
A bonança e a tormenta
Por vezes dirás mal do vento e do relâmpago
E quererás deter o andar do tempo

Lembra-te então do sol 
E da constelação do sangue do sonho 
A que volta todas as manhãs 
Beijando os lábios da brisa

Diante do altar do vento
Farás uma prece ao esplendor dos pinheiros

Vê como arde a noite 
Cheirando a resina


Paris, 5 de julho 2001 


António Barbosa Topa



_ _ _ _ _


POEMA DE BOAS VINDAS

Para o Rafael



Serás relâmpago e trovão 
Anunciando a doce chuva de Agosto

Sê sempre recto e justo
Sem nunca te desviares
Do caminho que leva até à verdade

Encontrarás quem queira amansar 
o que em tí há de maís puro 
Querendo desviarte desse caminho

Resiste aos encantos da mentira 
caminhando pelo teu próprio pé 
e sem nunca baixares o olhar

Há olhos que incendeiam searas 
os teus incendiarão o futuro


Paris, 24 de julho 2003 


António Barbosa Topa


02/04/14

O BURRO INTUITIVO


Em memória de Almiro de Sousa Gonçalves


Aposta sempre no amigo
e na mão que lhe estendem
sem pensar no punhal
que a mesma esconde

Chora sozinho
quando sabe e pressente
o frio da lâmina traiçoeira


Paris, 07 de Julho 2011


VI




30/03/14

IV


Não esperar por mais nada 
nem ninguém

Ousar olhar o sol de frente 
até cegar

Gritar 
gritar tanto
até que a voz se apague

E o silêncio invada 

as veias do sonho






29/03/14

III


Ouvir gemer o mar
acariciando a espuma das ondas

Saborear o sal o sol a bruma 
na espuma das palavras

Adormecer na linha do horizonte 

até que o silêncio estale








28/03/14

Para o Luís Marques


Deitar para trás das costas
o peso das palavras e das lágrimas

Desaprender a falar

Nomear a bruma e o sonho 
em silêncio

Ousar olhar o mar intensamente 
até que os olhos doam

Esperar que a lua se espreguice
na linha do horizonte
e se acoite na boca do delírio

Morrer então abraçado ao sol



para o Luis Marques

27/03/14

Poema


Enfrentaste luas
marés e tempestades 
sorrindo

Enfrentaste noites 
sem dormir 
embalando sonhos

Suportamos ódios
e sonos antigos 
gemendo

Suportamos vidas
e mortes 
por acontecer


Foi e é viagem 
entre noite silêncio 
e bruma

19/03/14

BUSCA


Há mil anos que falo comigo
e há mil que procuro
o secreto caminho do silêncio

aquele que leva até ao sítio
onde o vento mora
e os sonhos se aconchegam

Há mil anos que navego
entre Bojador e estrelas
à procura dum celacanto

Quando dobrar a esquina do sono
irei passear pelas ruas do Cairo
de mão dada com o meu celacanto

Aí o trocarei por um camelo
e com este percorrerei os mares do sul

até encontrar a exacta bissectriz das bocas


17/03/14

Poemas para a Myriam e para o Rafael





Nota do editor:
O poeta deixou bem explícito que desejava que os poemas para os seus dois netos fossem publicados ao mesmo tempo. O editor assim fez! Se clicarem nos poemas talvez os leiam com mais facilidade. 


16/03/14

BALADA POR MOÇAMBIQUE


Mãe
Maningue chuva
Já não sei chorar

Filho
Não é nada
São lágrimas
Que sobraram do sonho

Tio
Maningue vento
Já não sei voar

Filho
Não é nada
São estrelas
Que sobraram do sonho

Maningue frio mãe
Já não sei dormir

Não é nada filho
Dorme aos pedaços
Agasalha-te no sonho

Amanhã filho
Maningue chuva de pão
E os machimbombos serão navios
Carregadinhos de peixe

E as minas mãe

Serão maningue no céu

Dorme filhinho

António Barbosa Topa


(Nota: maningue = muito; machimbombos=autocarro, ônibus)


19/02/14

Textos lembrando o Rogério Carrola


1.
Queria fazer
como sempre fizeste comigo
estender-te a mão
partilhar tristezas
alegrias
e bebedeiras de luz


2. (22.01.14)
Apagar-te da memória é impossivel
Mas esta doi muito
quando o inverno do tempo
se atravessa no caminho
colocando pedras sobre pedras
para impedir o abraço
as mãos fraternas sempre estendidas


Antes da minha última viagem
quero erguer contigo uma taça de tinto
de medronho ou de absinto
junto aquela lingua de sal e fogo
entre Douro e Atlântico


Até logo e até sempre

no Cabedelo.

18/02/14

ATÉ LOGO, EM DILI


Para Xanana Gusmão

Não quero só o sol

Quero ver as crianças soletrando sonhos
Inventando um pas intenso e novo

Não quero só o sol

Quero ouvir as mulheres do meu povo
Cantando aos filhos meigas cantigas de embalar

Não quero só o sol

Quero aprender com os antigos
Como se tecem lendas e contos

Não quero só o sol

Quero também a lua cheia de prendas
Para todos os meninos do Porto até Dili

Não quero grande coisa para mim
Mas quero muito e tudo para Timor

Quero o sol quero a lua quero as estrelas
Quero a paz e o amor inundando e invadindo
As praias de Timor enfim livre

Até logo em Dili.



António Barbosa Topa


O Xanana Gusmão recebeu este poema quando estava em residência vigiada na Indonésia, o poema chegou via uma amiga comum. 
Ele teve a gentileza de me enviar um postalinho, acusando recepção.  
A. B. T. 



15/02/14

Os seios da Miquelina


Morangos 
que à minha boca 
apetecem 
nela saltam
e a adoçam


Morangos que
nas minhas mãos 
latejam 
saltam e
depois adormecem


Morangos
fonte da minha sede 
ânforas onde bebo 
o mel e o vinho 
com que alimento o fogo 
incendiando o mar


Morangos 
cujo sumo bebo 
insaciável 
até à lia


(poema que subrepticiamente o escriba publica sem consentimento do autor)

12/02/14

Comandante de Sonhos



Em memória do Capitão Salgueiro Maia

Na madrugada qua abriu as portas do sonho
sabias melhor que ninguém o peso do silêncio
mas foste em frente decidido a calar para sempre
as vozes agoirentas dos abutres que nos sugavam

Na madrugada que nos abriu as portas do sonho
gostaria de ter estado a teu lado para saborear
o certeiro silêncio que calou chacais e cães
e fez com que um povo até aí mudo cantasse livre

Na madrugada que nos abriu as portas do sonho
que lendas foste tecendo de Santarém até Lisboa
para que um povo ousasse então cantar
desafiando senhores mitos e medos antigos

Na madrugada que nos abriu as portas do sonho
quem pensou em ti e nos sonhos que nos deste
quem no regresso livre pensou no homem da festa

Capitão de sonhos e de silêncios de azul e bruma
não é nada apenas uma brisa forte intensa e densa
um vento puro que arrasa trindades e carmos

Até logo comandante continuamos a teu lado



António Barbosa Topa





Postal 02







11/02/14

Deitar contas à vida (tentativas de poemas)

(Para o Júlio Henriques)


Se tiver tempo
arrumo os seixos
que apanhei na praia
e escrever-te-ei uma carta
contando os segredos das marés


Se tiver tempo
apanho um navio até Portalegre
para da proa acenar ao domador de cavalos
ao Julio perdido entre muitas palavras e letras
mas sempre atento e derreado com a dor alheia
que sempre assumiu como sua

(07.08.2013)


Postal 01









10/02/14

TESTAMENTO DITADO AO OUVIDO

Pela Teresa, minha mãe, e para ela


Quando o relógio do tempo
Marcar a hora da viagem
Rumo à profunda boca do olvido
Quero ir bonita
Como se fosse de passeio
Até à Foz ou à Afurada
Assistir a uma chuva de estrelas


Da Ponte da Arrábida
Com lágrimas de sal e fogo
Direi até logo à festa de São Pedro
Soprando na mão em concha
um último beijo ao Cabedelo

O corpo que vêem partir
É um concentrado de lágrimas
De lutas de raivas e de sonhos
Viveu quanto o tempo aceitou

Em vida deixou raízes
E na viagem mais sonhos semeará


Até logo meus pedaços de mim


António Barbosa Topa
Paris, 28.03.2003